Para a Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), a influência de fatores econômicos que têm mantido sob controle o crescimento da dívida pública pode estar chegando ao seu limite. A evolução do cenário da dívida dependerá de mais reformas estruturais nos gastos do governo.
A conclusão foi publicada no primeiro Relatório de Acompanhamento Fiscal da instituição em 2020. No documento, a IFI destaca que o crescimento da dívida tem desacelerado desde 2016 em função de dois elementos principais: a taxa de juros reduzida e a redução progressiva do déficit primário. Porém, será necessário um ajuste fiscal mais aprofundado para sustentar a relevância de ambos esses fatores.
No caso dos juros, a taxa Selic deve subir nos próximos anos, como consequência necessária do reaquecimento da economia. A IFI projeta a manutenção do patamar de 4,5% durante 2020, mas antecipa elevações sucessivas até 2022, que poderão levar o indicador a 6,5%.
“À parte esses movimentos conjunturais da taxa de juros, os quais podem ser considerados normais, o desafio será garantir as condições estruturais que possam manter a taxa de juros em nível baixo de forma duradoura. Esse objetivo passa necessariamente pelo equilíbrio sustentável das contas públicas”, diz o relatório.
Já a tendência de redução do déficit é um processo que pode estar perdendo fôlego. Em 2019, o resultado favorável foi obtido, principalmente, através de receitas pontuais, como o leilão do pré-sal e o resgate de créditos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e de contingenciamentos de verbas para investimentos públicos. Essa prática não é sustentável.
“Não há garantia de que a cada ano haverá uma fonte importante de receita não recorrente, assim como não será possível a cada ano reduzir as despesas discricionárias, sob pena de comprometer o funcionamento da administração pública”, avisa a IFI.
Dessa forma, os esforços de estabilização fiscal do país devem ser direcionados para reformas sobre as despesas obrigatórias do governo. A reforma da Previdência, aprovada pelo Congresso no ano passado (Emenda Constitucional 103), foi a primeira dessas iniciativas. As PECs do Plano Mais Brasil são as próximas da fila. Elas contêm regras para a contenção de gastos com pessoal, a revisão do pacto federativo, o uso de fundos para abater a dívida e a redução de benefícios tributários que geram renúncia de receita.
Sem essas reformas, a estimativa da IFI é que já em 2021 o país atingiria o teto de gastos, o que acionaria os gatilhos constitucionais de contenção de despesas previstos para essa situação. Entre as medidas desencadeadas estariam a vedação de reajustes salariais para servidores e da realização de concursos e a restrição à criação ou expansão de programas de governo.
O orçamento de 2020 já apresenta um equilíbrio preocupante entre receitas e despesas. Os números da lei (PLN 22/2019, já aprovado mas ainda não sancionado) são mais otimistas do que os cálculos da IFI, tanto na arrecadação quanto nos investimentos. A instituição entende que o motivo disso é que o governo aposta em receitas extraordinárias, que podem não se confirmar.
“O risco associado ao cenário posto pela LOA [Lei Orçamentária Anual] é o de não realização de receitas no nível projetado e, consequentemente, de necessidade de realização de um expressivo contingenciamento de despesas discricionárias. Em um contexto de mudança de regras no tocante ao caráter autorizativo do orçamento público, este poderá ser um entrave não desprezível à gestão da política fiscal em 2020”.
A partir deste ano já está em vigor a nova regra constitucional que tornou obrigatório o pagamento de emendas parlamentares ao orçamento elaboradas pelas bancadas estaduais de deputados e senadores (Emenda Constitucional 100).
Salário mínimo e inflação
O relatório da IFI também avaliou a decisão do governo de reajustar o valor do salário mínimo para 2020, em decorrência da inflação acima do que havia sido projetado. O mínimo será estabelecido em R$ 1.045,00, R$ 6,00 acima do que havia sido estabelecido no final do ano passado (MP 916/2019).
Várias despesas do governo estão indexadas ao salário mínimo, como aposentadorias e benefícios sociais. Cada real de aumento no indicador representa um impacto de R$ 450 milhões a R$ 550 milhões no orçamento federal. O reajuste anunciado, portanto, poderá produzir um efeito fiscal de até R$ 3,3 bilhões no ano.
A alta da inflação se deveu a uma aceleração nos preços dos alimentos no final do ano, especialmente das carnes, em razão de fatores internacionais. Os efeitos desse choque pontual deve se dissipar nos próximos meses, segundo a IFI, de modo que a trajetória da inflação ao longo de 2020 retorne à normalidade.
Fonte: Agência Senado