Uma audiência pública marcou, na segunda-feira (26), o início da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 32/2020, que trata da Reforma Administrativa, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. As audiências ocorrerão até o dia 14 de maio. O relator da proposta, o deputado Darci de Matos (PSD-SC), já afirmou que pretende votar a proposta na Comissão ainda na segunda quinzena de maio.
Especialistas que participaram da audiência na segunda-feira criticaram pontos da proposta, como o fim da estabilidade para alguns cargos, a criação do vínculo de experiência e a ampliação dos poderes do presidente da República.
O representante do governo no debate, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade, alegou que os atuais servidores não terão seus direitos afetados e que a ideia é criar uma administração mais moderna e eficiente. No entanto, diferentes estudos técnicos já comprovaram que os efeitos negativos para os atuais servidores serão imediatos.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE), Vicente Braga, lembrou durante a audiência que a proposta atinge os atuais servidores em alguns pontos, como na parte que trata da dedicação exclusiva dos servidores, proibindo que servidores tenham qualquer outra atividade remunerada, mesmo que sem relação com o serviço público. A exceção é apenas para área de ensino e atividades de profissional de saúde.
Braga também considerou “um grande retrocesso” a previsão de um vínculo de experiência, após a aprovação em prova de concurso, com duração mínima de um ano para cargos que não sejam típicos de Estado, e dois anos para os típicos de Estado, para determinar a classificação final e os aprovados no concurso público. Segundo Braga, um aprovado em concurso, cumprindo vínculo de experiência, não teria condições de praticar atos estratégicos de carreiras típicas de Estado.
O procurador também criticou as mudanças previstas na estabilidade do servidor, que pelo texto fica restrita a servidores ocupantes de cargos típicos de Estado, cumpridos o vínculo de experiência e mais um ano no cargo.
“Não se pode falar em Estado Democrático de Direito com instituição fragilizada. Não se pode admitir que se utilize o discurso de que a estabilidade é utilizada como um escudo para o servidor público. Ela não é um escudo para o servidor público. Ela é um escudo para o cargo daquele servidor, para blindá-lo de qualquer interesse ilegítimo por parte de quem quer que seja: um cidadão, um gestor, um superior ou quem for”, disse Vicente Braga.
O coordenador-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Fausto Augusto Júnior, também criticou, entre outros pontos, as mudanças nas regras de estabilidade.
Segundo ele, as mudanças são “o cúmulo da falta de responsabilidade” e farão com que os trabalhadores possam ser “modificados ao sabor do governo de plantão”, ferindo o princípio da impessoalidade da administração pública.
Poderes do presidente
Outro ponto bastante criticado na reunião foi a definição contida na PEC que aumenta os poderes do presidente e estabelece, entre outros pontos, que decretos presidenciais poderão criar ou extinguir órgãos públicos. Para Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, diretor e professor titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, esse item “é um desastre”, usurpa poderes do Legislativo e agride a autonomia dos poderes.
A coordenadora da associação Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, disse acreditar que a proposta fere cláusulas pétreas da Constituição. Para Fattorelli, a PEC “ofende o princípio da moralidade pública e traz de volta o apadrinhamento”. Ela criticou uma série de pontos da proposta, como a justificativa do Executivo de que há uma percepção de que o Estado custa muito, mas entrega pouco. Segundo Fattorelli, esse é um argumento “sem qualquer comprovação”.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) também se manifestou contra a reforma. “Quase 60% dos servidores públicos recebem menos de quatro salários mínimos. Então, não estamos falando de privilegiados. Aliás, os grandes privilegiados não são atacados na reforma, como os deputados federais, os ministros e os secretários do governo”, afirmou.
Melchionna disse ter sugerido uma redução de 50% do salário desses cargos, mas que não teve o apoio do governo.
“Mais do que isso, é óbvio que essa matéria é inconstitucional, porque a estabilidade está na Constituição Federal não como uma benesse, mas como um direito para acabar com a ideia do Estado patrimonialista”, declarou a deputada.
Com informações: Agência Câmara de Notícias