No centro de escândalo, presidente do Paraguai também é de direita e considerado aliado por Bolsonaro
O acordo envolvendo a Usina de Itaipu, assinado pelos governos do Paraguai e Brasil em maio deste ano, mergulhou o país vizinho numa grave crise política, que ameaça de impeachment o presidente paraguaio Mario Abdo Benítez. Mas cada vez mais o escândalo ameaça respingar no governo de Jair Bolsonaro (PSL), em razão do envolvimento suspeito do governo brasileiro e empresários ligados ao PSL no esquema.
Informação divulgada nesta terça-feira (27) pela revista Carta Capital, e confirmada por outros órgãos de imprensa, revela que o suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), o empresário Alexandre Giordano, esteve no Palácio do Planalto, em fevereiro deste ano.
Segundo a resposta do Planalto à imprensa, Giordano entrou no prédio da presidência no dia 27 de fevereiro, às 9h. Não há informações, porém, sobre as reuniões que o empresário participou no local ou com quem conversou. Na véspera, Bolsonaro havia viajado para Foz do Iguaçu para empossar o novo diretor-geral por parte do Brasil, general Joaquim Silva e Luna. O presidente do Paraguai, que também é de direita e visto como aliado de Bolsonaro, também participou da cerimônia.
Quem é Alexandre Giordano
Suplente do senador Major Olímpio, do PSL, Giordano é empresário e, em maio deste ano, viajou para o Paraguai para participar de uma reunião na Ande, a empresa de energia paraguaia, e tratar da compra de energia excedente de Itaipu.
Seu nome, juntamente com a empresa brasileira de energia Léros, aparece nas investigações que estão sendo feitas pelo Ministério Público do Paraguai. Em conversas que vieram à tona nas investigações, representantes da Léros e Giordano falaram que eram vinculados à “família presidencial” do Brasil.
Em mensagens entregues ao Ministério Público do Paraguai, o advogado José “Joselo” Rodríguez, que se apresentava como assessor jurídico da vice-presidência do Paraguai, dizia que a Léros representava o “governo brasileiro”. Segundo informações, Giordano viajou duas vezes este ano (uma antes da assinatura do acordo e outra vez depois) para o país vizinho com sócios da Léros.
Outra estranha coincidência é que empresas de Giordano ficam no mesmo prédio onde funcionou, até o final de julho, a sede do diretório estadual do PSL em São Paulo, cujo presidente é o deputado Eduardo Bolsonaro.
A crise no Paraguai
A crise política em torno ao acordo firmado entre os governos de Bolsonaro e Abdo, às escondidas em maio, ocorreu após a divulgação das condições do documento, levando ao seu cancelamento no dia 1° de agosto. O acordo estabelecia novas regras para a compra de energia elétrica produzida por Itaipu e permitia a venda por empresas privadas no Brasil.
O novo pacto traria prejuízos de mais de US$ 200 milhões ao Paraguai, o que foi considerado uma “traição à pátria”. Mais de 90% da energia consumida no Paraguai é gerada pela hidrelétrica de Itaipu, e por isso qualquer alteração nas regras tem impacto substancial na tarifa paraguaia, o que provocou protestos no país.
O acordo entre Bolsonaro e Mario Abdo suprimia um item que permitia à estatal elétrica paraguaia vender diretamente sua parte da energia excedente gerada por Itaipu para a Eletrobras. Pelo novo pacto, contudo, esse excedente poderia ser vendido para distribuidores privados brasileiros.
Os indícios apontam para um esquema que visava pagar barato pela energia paraguaia e revendê-la mais caro no Brasil, beneficiando empresas como a Léros.
“Esse escândalo em torno do acordo entre o Brasil e o Paraguai sobre a Usina de Itaipu revela que há muitos interesses por trás dessas negociações que foram feitas na calada da noite. Porém, nessa história, não são as necessidades e o bem-estar dos povos brasileiro e paraguaio que estão sendo considerados, mas interesses privados, de empresários e políticos. Tudo indica que o acordo visava garantir lucros a determinados setores, enquanto aqui e lá o povo que pagasse caro por energia”, avalia o integrante do Setorial Internacional da CSP-Conlutas Herbert Claros.
“Por isso, entendemos que nessa situação, a posição dos trabalhadores brasileiros deve ser de apoio ao povo paraguaio na sua luta contra esse acordo prejudicial ao país. Bolsonaro também deve explicações. Parece que o discurso acabou a mamata não é bem isso e tem muita coisa suspeita nessa história. O fato é que é necessário que nós, brasileiros, juntamente, com os paraguaios, lutemos contra esses governos que agem a serviço de grandes empresários e seus interesses, enquanto a população pena com tarifas abusivas de energia e privatizações”, conclui Herbert.
Saiba mais
Itaipu é uma hidrelétrica binacional criada por um tratado assinado em 1973 e que começou a produzir energia elétrica em 1984, com administração dividida entre Brasil e Paraguai. Cada país tem direito a 50% da energia, mas o tratado determinou que o Paraguai, com um mercado interno muito menor, tem que vender ao Brasil o que não consome da sua metade — a chamada “energia adicional”.
O Brasil retém boa parte do pagamento pela energia adicional para abater o empréstimo feito ao Paraguai na construção de Itaipu e para investimentos posteriores.
O Tratado de Itaipu será renegociado em 2023, quando a dívida da construção da usina estará paga. Os trechos que tratam da comercialização de energia poderão ser alterados, o que gera expectativas no Paraguai. O país vizinho há tempos afirma que o Brasil paga pouco pela energia que os paraguaios não consomem e reivindica o direito de vendê-la para terceiros países ou no mercado livre (diretamente ao consumidor), o que hoje lhe é vetado.
Com informações Folha de S. Paulo e Estadão