A pedido do Dep. Israel Batista (PV/DF), a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados (CONLE) preparou uma análise crítica do relatório elaborado pelo Instituto Millenium intitulado “Reforma Administrativa: Diagnósticos sobre a empregabilidade, o desempenho e a eficiência do Setor Público Brasileiro”. Para os técnicos da Câmara, o relatório apresenta inconsistências estatísticas e metodológicas.
A CONLE questionou a falta de especificidade em afirmações generalistas como: “o Governo gasta com servidores públicos 3,5 vezes mais do que com saúde e o dobro com educação”. De acordo com a consultoria, o relatório não esclarece quais variáveis estão sendo comparadas, muito menos se o cálculo total inclui, por exemplo, os gastos com salários dos profissionais de saúde e educação ou não. Os técnicos também questionam a mera menção à utilização de métodos de coleta de dados, sem a sua devida descrição. Não foram descritas as etapas de aplicação metodológica e nem a contabilidade para a agregação dos dados básicos ou os modelos adotados.
Entre as inconsistências, o parecer da Câmara aponta que o documento do Instituto Millenium, ao analisar o crescimento do efetivo de servidores públicos a partir de 1986, deixa de considerar que a Constituição de 1988 trouxe a universalização da saúde e da educação. Novos direitos sociais que ampliaram a obrigação do Estado de atuar em uma série de atividades que passaram a exigir a prestação de serviços que antes não estavam disponíveis, o que demandou a contratação de novos servidores. “Desta forma, a consideração somente de números absolutos é inadequada”, afirma o relatório da CONLE.
O texto analisado também embute um “claro juízo de valor, ao tomar a despesa com os servidores públicos civis como a “vilã”, responsável pelas dificuldades de natureza fiscal enfrentadas pelo Brasil”. Para a CONLE, contudo, o exame dos dados disponíveis ao longo de um horizonte temporal amplo não confirma esta hipótese. Ao contrário, “a relação despesa pessoal X despesa total nas três esferas de governo caiu de 30,9% em 2006 para 27,3%, em 2018. No caso específico da União, objeto de atenção do texto, nos últimos 30 anos, as despesas totais com pessoal oscilaram entre 3% do PIB e 5% do PIB, sem nenhuma tendência de crescimento ao longo do tempo”.
Conquanto figure como um dos tópicos que deveria ser objeto de atenção prioritária do Relatório, a questão dos incentivos para o aumento da produtividade do setor público é abordada de maneira simplificada e ligeira. Em geral, o texto recomenda a adoção dos mecanismos comumente utilizados no setor privado, deixando de levar em conta o fato de que a literatura sobre o tema aponta que há necessidade de muito cuidado no desenho de programas de incentivo no setor público. Não há como e nem é desejável que seja igual ao setor privado.
Outras falhas diagnosticadas no relatório da Câmara apontam para o fato de que o texto do Instituto Millenium também trata de previdência e de tributação, temas que não fazem parte do contexto da reforma administrativa e que não poderiam ser solucionados através dela. Além disso, apesar de o estudo reconhecer que 83,8% das rubricas salariais no serviço público civil federal não têm equivalência no setor privado, insiste-se em comparações médias e agregadas com o setor privado.
Como uma conclusão geral acerca do documento elaborado pelo Instituto Millenium, a CONLE chama a atenção para o fato de que ele não esclarece por que as despesas de pessoal da União seriam o principal problema fiscal do país. “A impressão que se tem é a de um raciocínio circular. A premissa é exatamente igual à conclusão, sem, no entanto, a apresentação de dados objetivos que as apoiem”, concluem.
Leia a íntegra do relatório elaborado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados: