O artigo 40 da Constituição Federal traz as regras gerais de aposentadoria para os servidores públicos federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal vinculados a Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS).
Neste, apesar de haver a proibição de se adotar critérios diferenciados para concessão de benefícios, abriu-se exceção para as seguintes hipóteses: servidores com deficiência, servidores que exercem atividade de risco ou servidores cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (art. 40, III, §4º).
Ocorre que o texto constitucional, tão somente, enumerou hipóteses, sem regulamentar a forma que as aposentadorias seriam concedidas, deixando tais definições a cargo de lei complementar. Por isso, dada a demora do parlamento em votar tais leis, pessoas físicas, sindicatos e associações impetraram inúmeros mandados de injunção, seja para que se determinasse ao Poder Legislativo a edição da citada lei, ou então para que se aplicasse outra legislação, de forma subsidiária.
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, inicialmente, passou a determinar a aplicação da legislação do Regime Geral de Previdência Social – RGPS (artigo 57 da Lei 8.213/91) nos casos dos servidores em exercem atividade de risco, ou cujas funções sejam exercidas sob condições que prejudiquem saúde ou integridade física. Lado outro, aos servidores com deficiência, passou-se a determinar a utilização da Lei Complementar n. 142 de 2013, que regulamenta a aposentadoria para a pessoa com deficiência, também filiada ao regime citado acima.
Dado o grande número de mandados de injunção, o STF publicou a súmula vinculante n. 33, que diz que: Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.
Porém, mesmo com a definição de que os pedidos de aposentadoria de servidores que se enquadrem nas hipóteses acima indicadas, fossem analisados pelas regras do RGPS, outros consectários também presentes na legislação, como a conversão de tempo especial em comum, não foram estendidos aos interessados.
Isso porque o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os mandados de injunção sobre a matéria, observou o ditame do §10 do mesmo artigo 40 da Constituição, o qual, inserido pela Emenda Constitucional n. 20 de 1998, veda a contagem de tempo ficto, nos seguintes termos: “A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício”.
Veja-se, inclusive, que a Instrução Normativa n. 1/2010 do extinto Ministério da Previdência Social, que estabelece instruções para o reconhecimento, pelos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, do direito à aposentadoria dos servidores públicos com requisitos e critérios diferenciados, de que trata o art. 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, com fundamento na Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em Mandado de Injunção, traz disposição expressa em seu artigo 16-A, nos seguintes dizeres:
“Salvo decisão judicial expressa em contrário, esta Instrução Normativa não será aplicada para: I – conversão do tempo exercido pelo servidor sob condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física em tempo de contribuição comum, inclusive para fins de contagem recíproca de tempo de contribuição.”.
Esta situação perdurou até a análise inicial do Recurso Extraordinário n. 1.014.286/SP, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Nesse caso, admitiu-se a repercussão geral do tema (Tema n. 942), remetendo-se ao julgamento da Súmula Vinculante n. 33.
Neste, a questão da conversão de tempo especial em comum foi levantada, mas, ante ao não consenso no Pleno do STF, aprovou-se tão somente a redação minimalista da Súmula, chamando-se a atenção para a necessidade do enfrentamento do caso dada a dicotomia do texto constitucional, presente nos §§10 (já citado) e 12 do artigo 40, já que este último determina que: “Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”.
Portanto, em breve o STF se manifestará acerca da possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em condições insalubres, tido como especial, em tempo comum.
É preciso salientar, ainda, situações específicas. Isso porque, quando falamos, inicialmente, na conversão do tempo de serviço especial de servidores públicos, em comum, nos referimos aos servidores que fazem parte dos RPPS. No caso de servidores e empregados públicos com vínculo celetista, os ditames do RGPS são aplicados normalmente, inclusive a possibilidade de conversão de tempo.
Lado outro, há também os servidores que exerceram, enquanto celetistas, atividades insalubres sendo, em momento posterior, migrados para regimes próprios instituídos pelos entes públicos a que estão vinculados, como no caso da Lei 8.112/90.
Nessa situação, o STF já se pronunciou no sentido de que: “o direito à contagem do tempo de serviço público federal prestado por celetista, antes de sua transformação em estatutário, se incorpora ao seu patrimônio jurídico para todos os efeitos: comprovado o exercício de atividade considerada insalubre, perigosa ou penosa, pela legislação à época aplicável, possui o servidor o direito à contagem especial deste tempo de serviço” (RE 440.648/PB da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence).
Por fim, em relação aos servidores públicos com deficiência, quando da regulamentação, pelo Ministério da Previdência Social, da Lei Complementar n. 142/2013 (Instrução Normativa SPPS n. 02/2014), houve disposição expressa de ajuste do tempo laborado, em caso de filiação a diversos regimes de previdência, ou caso haja alteração do grau de deficiência, como se pode ver em seu artigo 5º.
Porém, este ajuste não se confunde com a conversão de tempo especial em comum, vez que há a expressa vedação, conforme inciso I de seu artigo 14: “Salvo decisão judicial expressa em contrário, esta Instrução Normativa não será aplicada para: I – conversão do tempo cumprido pelo servidor com deficiência em tempo de contribuição comum, inclusive para fins de contagem recíproca de tempo de contribuição.”
O atual cenário, portanto, é de negativa de conversão de tempo especial, exercido por servidor vinculado a regime estatutário, em comum, senão na exceção acima apresentada (tempo celetista, anterior à transformação em estatutário). No entanto, tal situação poderá se alterar em breve, após o julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 942 pelo Supremo Tribunal Federal.
*Por Daniel Hilário, advogado no escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, especialista em Direito do Servidor Público.