Dirigentes do SIMPE-RS participaram, no último dia 30, na Câmara de Vereadores, em Porto Alegre, do “Seminário Contra o Fim da Previdência Social e Pública”, promovido pelo Fórum em Defesa da Previdência. A atividade reuniu especialistas na área para discutir os efeitos da PEC 06/2019, para o presente e futuro da população brasileira, caso a proposta seja aprovada.
Na abertura, representantes do Fórum, do qual o SIMPE-RS faz parte, lembraram as ações do movimento que contribuíram para derrubar a proposta do Temer e destacaram que ele foi reativado para participar da resistência à do Bolsonaro, considerada ainda pior que a do governo anterior, e mobilizar a classe trabalhadora. O movimento tem caráter estadual e o encontro contou com participação de trabalhadores do interior e da região metropolitana.
Contrarreforma aos direitos sociais
A primeira palestrante, a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Sara Granemann, iniciou definindo a proposta como uma contrarreforma aos direitos sociais. Frisou que o debate sobre o tema, junto com a questão do desemprego, são os mais importantes para a sociedade. Para ela, a PEC trata do desmonte do PIS, PASEP, FGTS, da saúde do trabalhador e da previdência. “É uma proposta para dar continuidade aos ataques aos direitos iniciados com a reforma trabalhista e com o congelamento dos gastos públicos aprovados no governo Temer”.
Sem usar meios termos, a professora carioca deixou claro que a reforma é a privatização da previdência e destacou que a capitalização não deixa ninguém da classe trabalhadora de fora. Segundo ela, os argumentos do governo ainda vêm com uma perversidade clara de colocar trabalhador contra trabalhador, quando responsabiliza uns e outros pelo alegado “déficit”. “Isso é feito para dividir e enfraquecer a resistência, mas é também os pés de barro da reforma, que do alto da sua arrogância declara guerra a toda a classe trabalhadora”, o que, para a professora pode e deve unificar a luta.
Individualismo
“Qual a razão de ser desta reforma da previdência?”, questiona Sara. Para ela, o centro da proposta é instituir a capitalização, trocando um regime de solidariedade por um individual. Ela lembra que hoje o sistema é de solidariedade, ou seja, os que estão na ativa contribuem para os que estão aposentados tenham um padrão digno de vida. Além disso, o mesmo sistema vale para o operário, o médico, o advogado, os povos originários, entre outros, ou seja, abrange uma fração importante da classe trabalhadora. Há o regime próprio de previdência social, que não está com déficit. “O que querem”, diz ela respondendo a sua própria pergunta, “é usar os recursos da previdência para salvar o capitalismo. A razão não é falta de dinheiro, mas, ao contrário é porque é o único lugar de onde se pode extrair este volume de recursos (um trilhão de reais) no curto prazo para o capital”.
Não-previdência
Ainda quanto ao criticado regime de capitalização, Sara esclarece que não se trata de uma previdência, mas de uma não-previdência, “porque se trata de um instrumento do mercado de capitais”.
A especialista falou sobre os regimes de capitais aberto e fechado. No primeiro caso, o sujeito chega num banco e decide quanto vai aportar mensalmente numa conta de capitalização (uma espécie de poupança). Mas se retirar antes do tempo, ele perde cerca de 50% a 70% do aplicado. “Estas aplicações são vendidas com alarde de não pagar imposto de renda, mas cobra no momento da retirada e cobram também taxas de administração bastante altas. Esta é a “previdência” vendida pelo governo com a reforma”.
A outra situação é a previdência fechada, que são os fundos de pensão, como Petros (dos funcionários da Petrobrás), o Previ (dos do Banco do Brasil), a Funcef (dos da Caixa), entre outros. “No Brasil esta previdência movimenta com dinheiro recolhido dos trabalhadores em três décadas, cerca de 920 bilhões de reais. Os dois setores juntos representam valores na casa dos quatro trilhões de reais. É este o tamanho do negócio que estamos falando, quando falamos em capitalização”, diz ela.
Coincidências
Sara referiu como exemplo o Chile, onde ironizou que quem atuava por lá à época da implantação do regime de capitalização era um “certo ministro”, numa referência a Paulo Guedes. Segundo a professora, no Chile hoje, 78% das aposentadorias estão abaixo do salário mínimo do país, que é de 424 dólares. “Os aposentados não conseguem sobreviver, passam frio, fome e têm carências básicas. A média de aposentadorias é de 53% do salário mínimo, mas na vida real é ainda mais baixo. Lá, 44% dos aposentados vivem abaixo da linha da pobreza com menos de dois dólares por dia”.
Ainda sobre as aposentadorias chilenas, referiu que os trabalhadores que ainda estão na ativa, só conseguem contribuir quatro meses por ano, e não doze, o que deixa suas aposentadorias ainda mais em queda e a tendência é de que elas sejam ainda mais baixas. “As ruas do Chile estão assoladas de gente idosa, miseráveis, que é resultado da capitalização, para o qual os trabalhadores não foram convidados a escolher, mas lhes foi imposto por uma ditadura que não admitia resistência”, informou, alertando que a situação dos servidores públicos não é diferente, já que suas aposentadorias são cerca de 50 dólares maior que a do regime geral.
Confira AQUI a palestra da professora Sara.
Terrorismo
Segunda a falar, a advogada especialista em previdência, Marilinda Fernandes, iniciou sua apresentação alertando quanto a necessidade de desconstruir o discurso de terror com que o governo está tentando vender a reforma. Lembrou que a proposta foi apresentada desacompanhada de qualquer estudo econômico ou financeiro, o que em muitos países, seria uma situação impensável. “São ideias que jogaram sem estudos sérios e consistentes a respeito”, ponderou.
Segundo Marilinda, há que se ter atenção a situação anteriores. Dos mais de 30 países onde o modelo foi adotado, 18 já promoveram reformas, porque a medida se mostrou ineficaz, gerou exclusão, miséria e não atacou o alegado “déficit” fiscal.
Ela lembrou que um dos terrorismos que tem sido feito é o de que se a reforma não for feita, não vai ter dinheiro para pagar os salários dos servidores. No RS, no entanto, houve reforma na previdência dos servidores, as contribuições subiram para 14% e os salários têm sido atrasados há mais de dois anos. “Estes são argumentos de ordem terrorista e não financeiro-econômico, que só se justifica porque este modelo, para ser vendido, precisa aterrorizar as pessoas”.
Para Marilinda, as modificações que precisam ser feitas é no modelo econômico adotado e não na previdência. “As mudanças têm que ser na política que cria desemprego, que deixa milhões de desempregados sem contribuir para a previdência. É o modelo econômico que está errado. É preciso gerar empregos”, disse ela.
Resistir é preciso
Portuguesa, Marilinda falou da experiência do seu próprio país. Revelou que em 2015, Portugal adotou os modelos do FMI e Banco Mundial, que entre outras medidas, determinava alterações na previdência. “Houve redução dos benefícios, com aplicação de um imposto acima de 600 euros e todo pobre aposentado tinha que pagar, o salário mínimo não tinha reajuste, entre outas medidas. Mas os portugueses disseram não, com um bloco de esquerda, que propôs um outro modelo politico que, se não é ideal, conseguiu parar com os descontos dos aposentados e pensionistas e dinamizar a economia, para criar mais empregos. Portugal hoje está melhor. O que querem vender para os brasileiros é o que já deu errado em vários países. Portugal é um país pequeno, mas a resistência mudou a situação”.
A advogada também desmistificou o que chamou de segundo terrorismo, que é o crescimento da expectativa de vida. A questão da idade, disse, já está contemplada no sistema jurídico, com a fórmula 85/95 e anteriormente com o fator previdenciário. “Quem se aposenta mais cedo, se aposenta com desconto no valor. O discurso da expectativa de vida é para aterrorizar mais ainda”.
Privilégios
Há ainda, segundo ela, um terceiro argumento terrorista, que é o discurso de que a reforma é para acabar com os privilégios. “Demonizam os servidores públicos porque são defensores do estado mínimo”, acrescentou, destacando que os servidores públicos já foram alvos de várias reformas da previdência desde o governo FHC.
Ainda em relação aos privilégios, criticou a proposta apresentada para os militares, que se trata mais de criar benefícios do que de impor alterações na previdência deste segmento.
Por fim, frisou que a proposta de desconstitucionalizar a seguridade social, acaba com garantias como o reajuste dos benefícios e a paridade com o salário minimo. “Com a desconstitucionalização todas as regras poderão ser alteradas por lei complementar, que não precisa de maioria no Congresso para ser aprovada. E isso afeta ativos e inativos, que poderão ficar anos sem reajuste em suas aposentadorias, vendo os valores minguarem. Como o trabalhador vai poupar, se não tiver nem para comer. Temos que resistir e defender com unhas e dentes o estado democrático de direito que temos”, finalizou ela.
Confira AQUI a palestra da Dra. Marilinda
A dívida e o desmonte da previdência
Maria Lúcia Fatorelli, auditora-fiscal, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, abordou o tema “O desmonte da previdência a serviço do sistema da dívida”. Alicerçada em dados e números, a especialista mostrou que a previdência não é responsável pela crise. “Os absurdos que são feitos em termos de ajuste fiscal são sempre para alimentar o sistema da dívida e é o que está por trás da reforma. O governo pretende economizar um trilhão de reais em benefícios, pensões e aposentadorias, recursos que serão drenados para pagar a dívida”, disse ela.
Para Maria Lúcia, a dívida se alimenta de uma política monetária suicida, alimentada por novos sistemas que geram dívida e benesses tributárias. “Enquanto um trabalhador que ganha cinco mil reais paga uma alíquota de 25%, que já fica na fonte, aquele investidor estrangeiro, que compra titulo da dívida, recebe o juro mais elevado do planeta e é isento do Imposto de Renda”.
Onde está o privilégio?
Para responder esta pergunta, a especialista informa que a maior fatia está nos juros e amortização da dívida (veja material com os dados). “O trilhão alardeado pelo Ministro Paulo Guedes vai sair da previdência e assistência social e vai engordar ainda mais os trilhões que os banqueiros e outros beneficiários recebem por ano sem contrapartida alguma”.
A economista alerta que o déficit, que tem servido de discurso para a reforma, está no Banco Central e não na previdência. “O custo da política monetária do Banco Central é que está provocando a entrega do patrimônio público e a reforma da previdência. Houve queda do PIB, empresas quebraram, o desemprego bate recordes, o que afeta a previdência, mas os bancos lucraram quase 300 bilhões em 2015”, disse ela.
É preciso mais do que reclamar
“Este ambiente de crise, construída, é usado para justificar toda a retirada de direitos e entrega do patrimônio. Mas é preciso ter claro que o que fez a dívida crescer são os mecanismos que geram dívidas. Uma política suicida que amarra a economia brasileira. Não foram os gastos com a previdência, nem gastos com pessoal, mas o que precisa de disciplina é o financeiro”.
“O custo da transição para a capitalização em alguns países deu mais de dois PIB’s, acabou com a solidariedade, é insustentável, e além disso a desconstitucionalização cria incertezas. Em nenhum lugar do mundo existe idade mínima móvel como querem aqui. E o aumento de idade combinado com o tempo de contribuição significa o fim da aposentadoria para a maioria das pessoas, num país marcado pela informalidade e pelo desemprego. E quem propôs esta reforma, não vai se comover diante de reclamações. E preciso mais do que isso. É preciso esclarecer, fazer com que cada cidadão saiba de onde vem esta crise e para que querem a reforma, popularizar o conhecimento e mostrar que quanto mais pobre, mais sacrificado será o trabalhador”, finalizou.
Veja AQUI a apresentação de Maria Lúcia Fatorelli.
Após as apresentações foi aberto espaço para perguntas e questionamentos.
A deputada federal Fernanda Melchina (PSol), presente ao evento, se manifestou falando sobre o andamento da PEC no Congresso e destacou que existe uma unidade burguesa em torno da reforma, que vai fazer de tudo para que ela seja aprovada rapidamente. “Dia 22 tivemos um importante dia de resistência, mas é fundamental fortalecer as mobilizações nas bases e construir a greve geral. A nova previdência é na verdade o fim da previdência. As pessoas desconhecem a brutalidade desta reforma para todos”, acrescentou a parlamentar aos debates.
Assessoria de Comunicação
03/04/2019 11:47:59